sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A CORRENTE Capítulo 9 - Estevão Ribeiro

Série A CORRENTE:
(Leia Antes: Prólogo, Capítulos: 1, 2, 3, 4, 5, 6,8)


Vocês vão morrê-er! Vocês vão morrê-er! O “guarda” vai primeiro, mas todos vão morrê-er! 



Com as chaves na mão, a frágil garota negra contempla Roberto aos pés da cama, trêmulo de pavor. Ele tem tentado superar a loucura que o destino lhe impusera desde que recebera a corrente, mas está cada vez mais difícil manter a sanidade. Talvez seja por isso que começou um diálogo com aquela criatura. Uma vez no inferno...
– O q-que você faz aqui? – pergunta Roberto, enquanto dá um passo em direção à garota acamada. – Por que isso está acontecendo?
A garota fulmina-o com os olhos, na ânsia de dizer alguma coisa. Roberto sente passar por ele algo tão gélido que se encolhe de frio, cruzando os braços, levando as mãos à altura dos ombros, esfregando-os. Ele começa a se desesperar.
– Por que eu? POR QUE EU, DROGA? – diz Roberto tremendo, devolvendo à garota o ódio que ela carrega nos olhos. Ele quer pegar a chave a qualquer custo. Ela, por sua vez, parece saber que não aguentaria lutar com Roberto. Então grita.
O que sai de sua boca é um som estridente o bastante para fazer o rapaz recuar. Aquela garota já não lhe parece tão frágil. Ele então olha para uma estátua de bronze em forma de pombo e pega-a. O artefato, que ele empunha como uma arma, é pesado o bastante para abrir um buraco na cabeça da garota e ele, nas atuais condições, não hesitará em fazê-lo se ela não parar de gritar.
– Cale a boca, menina ou eu...
– Você o quê? – diz a voz vinda do canto esquerdo do quarto.
Roberto olha para o lado e, vendo a garotinha negra de oito anos olhá-lo com um ar de reprovação, deixa cair a peça de bronze.
– AHH! Para trás, garota! Ou eu vou te machucar! – exclama Roberto, abaixando-se para pegar a estátua.
Mas assim que se abaixa, no entanto, vê os pés da garotinha à sua frente. Ainda agachado, olha para a menina sorridente.
– Você não vai, não! Afinal... – fala a menina olhando para os olhos de Roberto, com um sorriso diabólico. – ... Não vai querer atacar uma morta, vai?
Roberto ignora a peça de bronze e se afasta do jeito que está, agachado, usando as suas mãos como um par de pernas adicional, sendo detido apenas por uma das paredes do quarto. Tenta distanciar-se o máximo, espremendo-se contra a parede como se quisesse derrubá-la e, se tivesse força, não há dúvidas que o faria.
– Você está morta? – pergunta Roberto para a menina, aterrorizado.
Ela responde com um sorriso que parece distorcer-se ainda mais. Talvez fosse apenas a permanência naquele quarto escuro, onde a imaginação tenta reconstruir um rosto na penumbra, transformando-o em algo bem diferente do que realmente é. Ou talvez aquele local onde Roberto esteja aprisionado seja um fragmento de uma dimensão bestial, onde é servido pelas piores visões de sua vida. Em qualquer hipótese, a situação cheirava a problemas.
– Por que pergunta? Você já sabe a resposta.
– Não, não sei. Quem é você? – retruca Roberto, levantando se devagar, desconfiado.
– Isso você também sabe. – responde a menina, aproximando se dele.
Roberto afasta-se, batendo a cabeça num porta-retrato que havia numa prateleira, fazendo-o cair. Ele o pega, por reflexo. Em meio à penumbra, Roberto olha para a foto que traz um momento de descontração, uma festa de aniversário. A menina negra à sua frente aparece na fotografia, soprando uma vela em forma de oito. Cercada de pessoas, das quais Roberto consegue reconhecer apenas Jorge. Com muita dificuldade, ele lê a mensagem escrita no letreiro multicolorido feito de isopor, pendurado na parede, atrás da aniversariante:
– “Feliz Aniversário, Bruna” – lê Roberto, espantado. – Bruna? – indaga, olhando para a garotinha à sua frente.
A menina acena com a cabeça.
– Você me mandou aquela maldita mensagem?
– Sim e não – responde a menina, indo em direção à garota acamada, quase esquecida por Roberto.
– C-como assim? Ou você mandou ou não! Não existe “sim e não” em algo assim.
A menina olha para Roberto com um olhar inquisitório. Ele vê, por um segundo, os olhos do ser que lhe estripara em sonho e treme. Ela se afasta da garota deitada e vai até Roberto, mexendo os dedos e declamando, em tom de deboche:

– “Olá.
Meu nome é Bruna e tenho dezesseis anos. Gosto de trocar mensagens, de fazer novas amizades pela internet e você foi escolhido para ser o meu novo amiguinho. Eu acredito que construiremos uma bonita amizade”.

Ela dá mais dois passos, mexendo os dedos indicadores de um lado para o outro e, como se comandasse uma grande orquestra, continua:

“E para celebrar nossa amizade, eu lhe darei um presente: passe este e-mail para sete pessoas e eu lhe trarei muita sorte.
“Sei que não acredita em mim, mas lhe peço que, mesmo assim, me ajude a fazer novos amigos.”

Ela termina a encenação olhando-o firmemente nos olhos, de braços abaixados, com um sorriso que beira o bizarro:

“Você não vai contrariar um pedido de uma morta, vai?”

Roberto a olha com a mão no peito, como se quisesse impedir o coração de criar pernas e fugir de seu corpo. Acabou de ouvir o texto do e-mail que recebera há quatro dias, o mesmo que iniciou o inferno em que está.
– Você percebeu? – pergunta a garota, que agora já se sabia o nome – Bruna – para Roberto.
– Percebi o quê?
– Dezesseis, Roberto! “Meu nome é Bruna e tenho dezesseis anos”. Eu aparento ter dezesseis anos?
Aquilo parece inconcebível, porém ele aponta para a cama e indaga.
– Ela é Bruna?
– Também – responde a pequena, acariciando com suas mãos a cabeleira despenteada da outra Bruna, enquanto olha para a cara de interrogação de Roberto.
A pequena Bruna para de afagar a adoentada e, por alguns segundos, emudece. Ela o olha com certa impaciência, como se lhe fuzilasse a alma. Seus olhos não são mais carne, mas sim dois abismos prontos para tragar o infeliz apavorado e desarmado que ali se encontra.
Como por encanto, o olhar da garotinha muda e ela volta a andar de encontro ao hacker.
– Somos parte de uma mesma pessoa. É difícil de entender?
– Não, eu só não consigo acreditar. Lido com coisas reais, tenho certeza que vou acordar em algum momento! – pergunta Roberto, impressionado com aquela criaturinha que se aproximava, fazendo-o recuar, receoso.
Bruna responde com uma gargalhada. Uma risada de deboche, demostrando êxtase ao ver que Roberto, a essas alturas, ainda se espanta com miudezas, quando devia preocupar-se com coisas maiores.
– Beto, Beto, Beto! Acho que foi uma má ideia. – diz a garotinha. Em seguida, olha para a moça deitada que tenta esboçar um sorriso. – Você tem certeza que ele pode nos ajudar?
A garota acamada, com muito esforço, acena positivamente com a cabeça. Ela parece pagar muito caro por cada movimento feito. Para movimentar o pescoço, lacrimeja o bastante para ser visto por Roberto à distância.
– Ajudar como? – indaga o desorientado Roberto. – O que vocês querem de mim?
A garotinha observa-o, desconfiada. Ela não acredita que ele seja capaz de ajudá-las.
– Bem, se ela acha que você pode... – diz a pequena, sendo interrompida por um grito de dor proferido pela Bruna acamada.
Imediatamente, a infante corre para a doente, que voa da cama em espasmos monstruosos. Sua mão esquerda puxa as cobertas enquanto a outra aperta o molho de chaves com tamanha força que a machuca. A pequena Bruna sobe em cima da descontrolada homônima, pondo as suas diminutas mãos perto dos ouvidos da outra, segurando-a com uma força incompatível com seu corpo, forçando-a a encarar-lhe.
– O que aconteceu? – fala energicamente a garotinha para a doente. – Bruna, acalme-se e me diga o que aconteceu!
A Bruna então para de se contorcer e, cedendo à ordem da pequena, olha-a nos olhos. Roberto acompanha a cena com espanto.
Segundos depois, uma exclamação carregada de ódio:
– MALDIÇÃO! – diz a garotinha, soltando a debilitada companheira na cama. – Ela vai estragar tudo!
Roberto olha para a criança, que o ignora. Ela caminha em direção à porta, esbravejando, proferindo palavrões indecorosos até mesmo para o mais desbocado dos mal-educados.
– Tenho que impedi-la de fazer besteira! – diz a garotinha, ao passar por Roberto. Traz no rosto ódio o bastante para intimidar o mais bravo dos homens.
Roberto a acompanha com os olhos, vendo-a chegar à porta do quarto, quando ela se lembra de sua existência.
– Beto, meu querido, tenho que resolver um probleminha. – diz a pequena Bruna, de frente para a porta do quarto, sem se dar o trabalho de virar e olhar para Roberto. – Você vai me esperar, né? – indaga a garota, atravessando a porta como um fantasma, e Roberto, por reflexo, responde com um grito de espanto.
Ao se ver preso com a Bruna adoentada olhando para ele na penumbra daquele quarto, Roberto encosta-se à parede e, agachando-se até sentar no carpete, chora descontroladamente.

No apartamento ao lado, Lídia caminha nervosa, fumando um cigarro atrás do outro pelo escritório que serviu de cárcere para Roberto. O cabo Dante tenta acalmá-la enquanto o soldado Da Matta se encontra na porta da sala, de guarda.
– E-eu não entendo! – diz Lídia, nervosa. – Ele e-estava aqui agora!
– Você tem certeza que trancou ele neste quarto? – indaga Dante, pondo a arma no coldre.
– Claro! Você viu que o escritório estava trancado! Eu não estou louca! – responde Lídia, com raiva.
– Olha moça, eu vi um escritório trancado e uma mensagem no computador – explica Dante, aproximando-se dela. – Não existe nada que o incrimine... A não ser que você saiba de algo mais.
– Vocês viram a mensagem que ele deixou na tela – grita Lídia, que em seguida, percebe que tem uma prova contra Roberto. – Mas é claro! O computador!
Dante não a compreende até vê-la se dirigir à máquina, que ainda mostra a mensagem ameaçadora.
– O computador contém tudo o que eu preciso para provar que ele matou aquelas pessoas. – reinicia o aparelho.
A tela fica escura por alguns segundos. Em seguida, aparece a imagem que indica a inicialização do Windows, mostrando que Roberto não conseguiu formatar a máquina.
Na tela inicial, lugar onde fica boa parte dos ícones de acesso a programas contidos no computador, os dois veem um atalho para um arquivo de vídeo. O ícone traz o nome Lilitop.mpg.
Lídia dá um clique com o mouse no ícone, apenas para selecioná-lo, tornando-o mais visível. Em seguida, ela olha para Dante, como se quisesse consentimento para abrir o arquivo.
O policial não compreende a iniciativa e olha para Lídia, causando um desconforto tamanho nela que se sente obrigada a falar.
– E aí?
– E aí o quê? – indaga o cabo.
– Eu devo abrir o vídeo? – pergunta Lídia, nervosa.
– Sei lá! – o policial levanta os ombros. – Eu não sei nada dessa coisa que você está mexendo! Nunca fui fã desses negócios de internet, computador ou videogame.
– Ai! – suspira Lídia diante do analfabetismo tecnológico do policial. – Esse vídeo tem o meu nome e certamente se trata de alguma mensagem que Roberto deixou para mim.
– Bem, se você acha que é uma mensagem para você, então vamos vê-la! – diz o cabo Dante, pondo a mão em seu ombro. – Quanto mais coisas sabermos do assassino, mais chances teremos de pegá-lo.
Lídia se sente um pouco mais calma. A mão firme do oficial a deixa mais segura e com uma esperança em sua cabeça de que, quando tudo isso acabar, eles possam sair para tomar algo.
O clima é quebrado quando o vídeo toma o monitor do computador. Ambos esperam apreensivos por algo.
A tela escura dá lugar ao rosa. O filme parece ser uma animação. Enquanto Dante dá um sorriso achando que se trata de uma brincadeira, Lídia espera desconfiada.
Desenhos de pombos tomam o espaço rosa, voando de um lado para o outro. Em seguida, espantando os pássaros, aparece uma bonequinha.
Esta bonequinha que passeia pela tela alegremente é negra e traja um vestido branco, e tenta pegar os poucos pombos que ainda não fugiram com a sua presença.
– Ah! Desenho animado! – exlama Dante, esboçando um sorriso. – Seu namorado é quem faz?
– Não – responde Lídia. – Ele nunca mexeu com animação.
– Então, não deve ser nada de importante – afirma o policial. – Esta mensagem não pode ter sido deixada por ele...
– Silêncio! – interrompe Lídia, notando a bonequinha negra parada no centro da tela, olhando para os espectadores. Balança a cabeça de um lado para o outro, balbuciando algo irreconhecível, em virtude do baixo volume do som do computador. – Estou ouvindo alguma coisa.
Ela gira o botão de volume das pequenas caixas de som do computador, aumentando consideravelmente o som. Assim, os dois começam a ouvir nitidamente o que a bonequinha dizia, em forma de uma mórbida canção de roda:

– Vocês vão morrê-er!
Vocês vão morrê-er!
O “guarda” vai primeiro,
mas todos vão morrê-er!

Lídia e Dante gelam. A ameaça daquela bonequinha parece tão palpável quanto mãos em volta da garganta, impedindo-os de respirar. Dante é o primeiro a recobrar-se do abandono momentâneo de sua alma.
– Que piada é essa? – pergunta o policial, mostrando que ainda tem um pouco de coragem.
– E-eu não sei! Eu juro que não sei! – responde Lídia, apavorada. – Mas só pode ser coisa do Roberto!
Lídia continua a dar explicações sobre a nefasta animação até que percebe que Dante já não lhe ouve. Está hipnotizado pela bonequinha que dança no monitor de Roberto, tratado agora como assassino.
– Cabo Dante? – pergunta ao notar o policial estático como pedra. – O que está acontecendo?
Lídia nota que ele começa a tremer, “Talvez por puro nervosismo”, pensa.
– Posso ajudar de algum modo?
O policial continua parado olhando para a tela, cada vez mais trêmulo. O suor que desce pelo seu rosto e braços mostra que está empregando uma força descomunal, e isso assusta Lídia. Ela levanta para sair do escritório de seu ex-namorado, tencionando pedir ajuda ao soldado Da Matta. Quando chega perto da porta, porém, escuta uma voz espremida, pedindo ajuda.
– Moça! Não saia daqui, pelo amor de Deus!
– O quê? –pergunta Lídia, sem entender e ao mesmo tempo surpresa pelo sinal de consciência.
Num segundo esforço, que parece consumir mais ainda as suas forças, Dante fala:
– E-eu n-não sei o q-que está acontecendo, mas...
Instintivamente, Lídia olha para o monitor do computador e vê a bonequinha negra na mesma posição que o policial, ereta, com as duas mãos abaixadas. Em seguida, ela movimenta a sua mão direita, simulando pegar uma arma num coldre e, com os dedos polegar indicador esticados em forma de “L”, conduz a sua mão lentamente em direção à cabeça.
– ... não estou conseguindo controlar o meu braço! – Dante soa desesperado, vendo a sua mão direita pegar a arma e levando-a à cabeça, seguindo a bonequinha do monitor como se fosse um espelho. Ele luta contra o comando da animação da qual não consegue tirar os olhos. Lídia, sem pensar, agarra o braço do policial, na tentativa de impedir que a pessoa que foi incumbida de protegê-la se machuque.
Assistindo tudo com a sua arma imaginária, a bonequinha negra ri.

No apartamento vizinho, Roberto enxuga as lágrimas vertidas pelo desespero e olha para a garota adoentada em cima da cama. Ela continua a ter nas mãos a chave da prisão em que ele se metera para fugir de seu escritório.
No limite da loucura, resolve arriscar um diálogo.
– Você está assim há muito tempo?
Ela balança a cabeça. O que quer que tenha não afetou a sua audição. Aquela adolescente aparenta ter bem mais de dezesseis anos em virtude de seu estado deplorável. Ela o vigia com os olhos, única parte realmente viva.
Roberto caminha em direção à garota acamada com um olhar de compaixão. Sem a estátua de pombo que pensara em usar como arma, para bem próximo à cama.
– Você deve sofrer muito – diz o hacker para Bruna que, depois de um espasmo, vira o rosto e chora.
Sensibilizado com a cena, Roberto senta-se na cama, leva a mão à cabeça de Bruna, tentando alisar a cabeleira despenteada. Encontrando alguma resistência na garota, que esquiva a cabeça de um lado para o outro, ele hesita.
A enferma o encara desconfiada. Ele responde com um olhar firme e piedoso. Estudando melhor o rosto de Roberto, ela fecha os olhos, deixando-se ser acariciada.
A mão de Roberto retoma o trajeto definido anteriormente, acariciando a rala cabeleira seca da garota, que não é tocada há muito tempo. Em um momento único de abertura de guarda, Roberto entende que é a hora.
Com um movimento rápido da mão esquerda, Roberto ataca a mão da garota, chegando a segurar as chaves do apartamento. Mas ela ainda as mantém firmemente, frustrando a abordagem desesperada do rapaz.
Ele briga com a moribunda pela sua única chance de sair daquele lugar, mas a doente aparentemente frágil mostra-se uma adversária forte e que não cederá à sua traição. Praticamente debruçado em cima dela e empregando toda a sua força para obter as chaves, Roberto pode observar o rosto carregado de ódio de Bruna dando lugar a um semblante triste, choroso.
A medida em que ela cede, o choro fica mais evidente. Roberto sabe que está vencendo aquela batalha e alarga o sorriso enquanto a olha nos olhos.
Sua autoconfiança quase o impede de ouvir os ruídos de metal atritando-se com uma pedra. Esse som se repete por quatro vezes antes de Roberto percebê-lo. A primeira lágrima escorre do olho esquerdo de Bruna, passando pela fronte e morrendo no travesseiro.
– Que barulho é esse? – indaga, olhando para todos lados, sem deixar de segurar com força o molho de chaves.
Ele então olha para a adoentada garota com quem disputava a liberdade e se depara com olhos vertendo rios de lágrimas. A boca se contorce em um choro descontrolado e soluçante, acompanhado de gemidos graves, como a voz de alguém que acabara de acordar. Não pode esperar outra condição de sua voz, pois é notório que ela desistira de falar há tempos.
Roberto continua encarando-a e pergunta para si mesmo se o que estava fazendo era certo. Ele pode sentir a angústia daquela garota que, debilitada, emprega seus últimos esforços para segurá-lo ali. Ele continua ouvindo o barulho de metal contra pedra, mas o deixa de lado ao tirar o molho de chaves de sua carcereira.
Com o espólio da batalha nas mãos, Roberto afasta-se, olhando para a vencida e desesperada Bruna. Ele deixa de lado o medo e contempla de longe a garota com quem disputou aquelas chaves e sente algo diferente no ar. Não era a mobília, nem a garota acamada que chorava desconsolada e muito menos aquele ambiente sombrio, ao qual Roberto já está acostumado. É algo que não se pode ver, pelo menos não de longe. Algo identificado apenas pelo olfato: todo o quarto cheirava a álcool.
Assustado, Roberto percebe que sua camisa, assim como as suas mãos, tem resquícios do líquido inflamável. Ele olha para frente e vê uma cena que acredita que nunca irá esquecer:
Bruna está encharcada de álcool, assim como os seus lençóis e cobertores. Seus cabelos despenteados, que antes estavam em pé, agora repousam sobre os ombros, mostrando que a sua cabeça recebera a maior parte do conteúdo inflamável da garrafa branca caída ao lado da cama. Em sua mão esquelética, a moribunda traz um isqueiro que tenta fazer funcionar a todo custo. O dedo polegar gira sem forças o rolo áspero de metal contra a pederneira, na esperança que dali saia uma fagulha, causando o som tão característico. O mesmo som que Roberto ouviu anteriormente enquanto tentava tirar a chave dela.
– Não faça isso! – pede, que o ignora, conseguindo finalmente acionar a pequena chama do isqueiro, e, em seguida, transformando seu corpo e sua cama numa imensa fogueira. Sem muitas saídas, Roberto investe contra a porta trancada do quarto, tentando não sucumbir ao medo quando se vê cercado por labaredas que se alastram impiedosamente em sua direção.


No capítulo 10
“– A japonesinha estava onde eu queria, Roberto! Por que você fez isso?”

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