sexta-feira, 7 de junho de 2013

A CORRENTE Prólogo - Estevão Ribeiro


O livro será postado em forma de série, toda sexta vai ter um capítulo aqui no Blog da sissi! Recomendo que leiam por um tablet.
Então vamos lá?

PASSE A CORRENTE...
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Prólogo

Novembro de 2002


Na pequena ilha de Vitória, capital do Espírito Santo, as pessoas que não gostam de se acotovelar em baladas precisam inventar algo para fazer. Muitas delas usam a internet. O imenso mundo escondido em milhões de quilômetros de fibras ópticas é o lar de milhares de pessoas que procuram na rede formas de não se sentirem tão solitárias.
Para Laura, esta é a única forma de relacionamento que dá certo.
Na Internet, sempre existe uma pessoa do outro lado lhe dando atenção, dizendo coisas que ela jamais conseguirá ouvir num relacionamento físico. É um universo de paixão pelas ideias do outro e não por sua aparência física Laura se relaciona com Fábio há cinco meses pela internet e nunca lhe mandou uma foto. Ela não quer estragar tudo.
Ela tem 32 anos e 120 quilos. É branca e tem cabelos castanhos curtos num corte masculino. Sempre usa brincos extravagantes grudados em seu pescoço largo. Seus braços grandes afunilam em mãos que de tão pequenas lembram as mãos de um bebê. Seus dedos ágeis tateiam as teclas com a experiência de quem passou toda a vida adulta atrás de uma tela de computador. Na parte da casa na qual estabelecera o seu escritório, Laura fantasia uma vida perfeita cada vez que recebe uma mensagem carinhosa de Fábio, um jovem solteiro de 24 anos. A cadeira de macanaíba em que recosta range a cada movimento seu, não a deixando se enganar. Talvez ele não gostasse de conhecê-la.
Mas ela tenta não pensar nisso e continua com seus projetos de vida. O aniversário do Fábio será na próxima semana e Laura quer lhe fazer uma surpresa. Ela vasculha na internet algo interessante para comprar que caiba em seu modesto orçamento.
A Laura que povoa as mais pervertidas fantasias de Fábio não chega a ser uma mentira. A linda garota de cabelos até o ombro e 68 quilos existiu oito anos atrás. Ela sabe que não poderia continuar com o embuste por muito tempo, mas quer mantê-lo o quanto conseguisse. Não estava preparada para perdê-lo.
O som anuncia a chegada de uma mensagem.
O coração de Laura acelera, pensa ser uma mensagem de Fábio. Checa a sua caixa postal e encontra um e-mail de uma remetente identificada por Bruna. Trazia a frase “Conquiste o seu amor”.
– Bruna? Quem é essa Bruna? – resmunga Laura, descontando a frustração de não ter recebido uma mensagem do Fábio nas últimas horas, somente a de uma desconhecida.
Sempre recebe essas propagandas, porém nunca abriu esse tipo de e-mail. Geralmente as apaga no ato. Nenhum dos assuntos que constavam na apresentação dos e-mails recebidos, como “fortuna”, “ganhe dinheiro”, “oportunidade única”, aguçaram a sua curiosidade o bastante para fazer com que abrisse um sequer, mas na falta de uma mensagem de Fábio, era o que tinha em sua caixa de entrada. Mesmo sem acreditar no que dizia, ela decide, desta vez, dar uma ajuda para a sorte, nem que fosse para passar o tempo.
Laura relê diversas vezes o título da mensagem de Bruna, querendo acreditar que abrir aquele e-mail seria a solução dos seus problemas. Fábio não entra em contato há horas e ali, ou nas dezenas de outras promessas de grandes oportunidades, poderia estar a solução de seus problemas e ela deixara passar simplesmente por não acreditar.
Com os olhos fechados, Laura respira tão fundo que é possível ouvir seus pulmões trabalharem a metros de distância. Com um pequeno clique sobre a mensagem, vê no monitor uma mensagem que ditaria o seu destino:


Eu sei que você deletou os meus e-mails anteriores, Laura. É uma pena que você tenha feito isso. Se talvez você tivesse lido as minhas mensagens...

Laura sente a saliva tapar a sua garganta, enquanto os olhos secos por não piscar acompanham cada letra da mensagem:

...eu não teria que te matar!

Laura demora seis segundos para entender realmente o que está acontecendo em seu computador.
– Na lixeira! Tudo o que eu deleto vai para a lixeira! Com certeza está lá!
Desesperada, Laura acessa a lixeira de sua caixa de mensagens na esperança de encontrar os e-mails que há pouco ignorava e que agora lhe despertavam um profundo pavor.
Laura fita petrificada a lixeira, praticamente limpa, tendo apenas uma mensagem em seu interior. Esta carrega o nome de sua remetente ameaçadora, mas também traz uma mensagem na linha assunto:

É tarde demais, Laura.

Laura se afasta do computador, apavorada, sem ter certeza do que viu. Num movimento rápido, desliga o monitor para não encarar a mensagem ameaçadora.
Não há mais glamour, fantasia ou respeito ao espaço da pessoa amada. Ela não pode esperar mais pelo contato do Fábio, ela precisa ouvir sua voz apaixonada dizendo-lhe que o que vira não foi nada mais do que uma brincadeira de mau gosto. Então Laura liga para o seu amor.
Ela precisa desligar o telefone por duas vezes por teclar o número errado. Suas mãos pequenas e suadas seguram o aparelho com dificuldade ,os movimentos erráticos separando-na de seu amor.
O telefone toca algumas vezes, mas Fábio não atende. Laura, trêmula e se sentindo cada vez mais desprotegida, não percebe que o monitor está ligado até ouvir o som de outro e-mail chegando.
Laura joga o telefone entre as almofadas do sofá e corre para o computador para desconectar a linha telefônica, tentando não olhar para a tela. Mas seus olhos são seduzidos pelo monitor e ela dá uma checada rápida.
– Fábio! Finalmente ele me mandou uma mensagem! – diz ela, chorosa, clicando sem pestanejar no e-mail enviado pelo seu amor.
O e-mail aberto traz Fábio de modo que Laura nunca vira e nem pensara em ver. Uma grande imagem no corpo do e-mail, que carregava com dificuldade, mostrava seu namorado morto com canetas, provavelmente tiradas de uma caneca próxima ao teclado, enfiadas nos olhos. Seu sangue banhava o teclado, a barriga e as pernas.
– Não pode ser! Com certeza é uma brincadeira! – afirma Laura com descrença, tirando o cabo que conecta o computador à internet. Ela corre para o sofá, tateando entre as almofadas.
– Eu preciso ligar para a polícia – repete para si mesma diversas vezes, procurando o telefone. Mais uma vez ela é interrompida pelo um sinal de recebimento de mensagem.
– Mas não é possível! – grita desesperada, buscando com os olhos qualquer ligação entre o computador e o cabo que o conecta à net, desplugado por ela há pouco e que continua onde o deixou.

Tomada pela curiosidade, ou falta de senso de preservação, Laura volta a sentar-se em frente ao computador, contrariando todo o medo aflorado. Com a respiração cada vez mais ofegante, clica na mensagem para abri-la.
Em seu interior, a mensagem traz o desenho de um alegre fantasma, juntamente com uma palavra:
Buu! Te peguei direitinho, né?
Laura olha para a tela, tentando entender o que aconteceu. Ela só começa a raciocinar depois do corpo emitir todos os alarmes para ela notar que estava sem respirar.
– Mas que merda é essa? – Laura corre a mensagem com os olhos, procurando o autor. Ela encontra no canto inferior direito da mensagem e vê a foto do rosto de uma bela adolescente, negra, de olhos grandes, castanhos e puxados em suas extremidades horizontais, séria. Seus cabelos crespos, secos, dariam uma aparência de garota da moda desse verão se a foto não acusasse um estilo de anos atrás.
– Ah! Você é a Bruna, imagino! Sua cretina! Você deve estar junto com aquele merda do Fábio pra me sacanear, né? – Laura ganha uma coragem de se expressar que só os enganados têm, não se importando com as consequências de suas opiniões. Mas seu rosto carregado de ódio muda assim que vê a foto da adorável garota tomar uma aparência disforme, mostrando uma série de ferimentos em todo o rosto.
Seus olhos ganham tons avermelhados e suas pálpebras superiores ameaçam grudar-se às inferiores, se acaso ela piscasse.
Laura observa a mudança com profundo pavor e gritaria se os pulmões não teimassem em falhar numa hora tão imprópria. O peito queima e o coração dá fortes indícios de traição, ameaçando deixar a corpulenta mulher à mercê daquele monstro estampado no monitor que, com uma aparência odiosa, dirige-se à ela:
– Por que você deletou meu e-mail, Laura?
Apavorada, Laura se afasta do computador como pode, derrubando a cadeira ao se levantar. Com dificuldade ela corre em direção à sala, tentando sair da casa. Seu peito não dá trégua e a porta para a liberdade traz uma frase que parece ter sido escrita com arranhões e sangue:
Tarde demais.
Laura não sabe o que poderia encontrar lá fora, então decide correr para o banheiro, desesperada. Abrindo as gavetas da pia e dos armários, Laura procura seus remédios para controlar a pressão.
Todo o desespero dela é captado pela webcam de seu computador, ligada pelo acaso ou pelo desconhecido, sendo a única testemunha da luta de Laura para viver. Ela fraqueja, os joelhos tentam resistir à tensão e ao peso, as costas se curvam tentando diminuir as pontadas no peito, e suas mãos procuram os remédios no armário espelhado do banheiro. Os gemidos guturais de dor fazem a garganta de Laura secar, transformando seu lamúrio em um chiado. Seus olhos ainda procuram os remédios que as mãos não pegam, apenas derrubam na pia.
Laura finalmente encontra o remédio, arranca a tampa com os dentes e derrama alguns comprimidos garganta abaixo, pegando a água da pia com as mãos diversas vezes, até conseguir engolir sua salvação. – Isso não está acontecendo! É só uma dessas pegadinhas de internet – tenta acalmar-se falando repetidamente essas pobres palavras, o seu maior conforto nessa hora – Quantas mensagens assim eu já recebi e não passei pra frente? Quantas mensagens dessas eu já vi? É só minha imaginação!
Laura fecha a porta do armário e encara Bruna, o rosto totalmente desfigurado, como o seu reflexo.
Por um segundo, Laura imagina que agora é a hora de acordar do pesadelo. É a hora de sentir o quanto suou com a perturbante noite que passara. Mas isso não acontece. A criatura atravessa o espelho e crava as suas mãos finas e deformadas em seu pescoço obeso, numa aparente tentativa de tirar o máximo de carne dali. Laura grita, ainda esperando acordar para voltar a sonhar com Fábio. Ela tenta até sentir seu rosto sendo cortado pelas mãos da feroz criatura. Depois disso, apenas grita. Seu coração, o único que poderia livrá-la, dando um fim rápido e fulminante, mais uma vez a trai.
De longe, no escritório, a pequena câmera do computador registra toda a cena reservada apenas para ela, enquanto o microfone se encarrega de registrar os últimos momentos de gritos agonizantes de Laura.
Quando o show de horror termina, o computador se encarrega de salvar o arquivo e enviá-lo para Bruna.
Na próxima semana:
“Capítulo 1
...Você não vai contrariar o pedido de uma morta, vai?”

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